segunda-feira, 12 de novembro de 2007

O meu tricot


É isto que chamo aos meus tempos de solteira. Ouvir as histórias de amor dos outros enquanto tricoto meias, umas atrás das outras, ao pé da lareira, com o gato a aquecer-me os pés.

É claro que eu nem sequer sei pegar numa agulha, quanto mais fazer aparecer meias de um novelo, e não tenho por hábito sentar-me à lareira. Mas é assim que me imagino, sempre, com o cabelo a ficar cinzento (esquecendo, por momentos, os 22 anos e o cabelo ainda intocado pelo tempo) e os óculos na ponta do nariz enquanto tento fazer passar a linha pelo buraco da agulha.

De estar euforicamente livre e sozinha, pronta a descobrir o mundo, passei a velha rezingona e abandonada, daquelas que atiram vasos da varanda para os casais que passam, de mãos dadas na rua.

O mais incrível é que os meus momentos de solidão costumam coincidir sempre com os momentos de exaltação amorosa dos outros: é ouvi-los, babados, sorriso de orelha a orelha, olhinhos perdidos num tempo e num espaço tão distantes, e eu a mascar pastilha, uma atrás da outra, e a imaginar as minhas meias meias feitas, meias por fazer, à minha espera em casa (junte-se a isto um caldeirão fervilhando na lareira com um líquido asqueroso verde lá dentro, e dá o quê?...)

Como qualquer mulher prática e moderna do séc XXI, faço o pino contra a parede (nunca o soube fazer de outra forma mais arriscada) e esforço-me por ver o lado positivo. É verdade que, nos últimos tempos, tenho aprendido mais sobre mim mesma do que nunca. Também é verdade que, até há bem pouco tempo, havia uma alegria estúpida e irracional que se apoderava de mim todas as manhãs e me fazia rodopiar da cama até à cozinha (e eu tenho o pior despertar que conheço!). Então, porque já não rodopio? Se está tudo na mesma, e nada mudou, o que se passou com aquela electricidade nas plantas dos pés? Porque é que, de repente, não quero ver grandes filmes de amor, e faço um sorriso malvado e céptico quando pombas brancas esvoaçam sobre a minha cabeça? (A bem dizer, nunca gostei de pássaros. Um dos piores dias de sempre foi passado num jardim onde, por todo o lado, havia pavões e flamingos a virem na minha direcção e eu só queria fugir!)


Vou mas é tricotar meias, não vou racionalizar. Quem sabe o gato aos meus pés não vira príncipe se o beijar, o cladeirão fervilhando vira palácio se o entornar, e as meias espalhadas pelo chão tornam-se lindos vestidos de baile se as calçar?

De facto, racionalizar não é comigo!


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